Quando o filme Histórias Cruzadas estreou nos Estados Unidos, em 2011, sofreu muitas críticas de entidades afro-americanas por mostrar a vida das empregadas domésticas do Mississipi sob uma ótica “branca”. Isso porque é uma “patroazinha”, em plena década de 1960, quem conta a história das mulheres negras que limpavam as casas, cozinhavam e criavam os pequenos bebês brancos dos americanos. É quase como aqui, sendo que no Brasil é ainda pior: nos EUA, as empregadas voltavam para suas casas depois do trabalho, não dormiam no emprego; tinham suas próprias famílias. Outro aspecto diferente é que quando os patrões resolvem construir “banheiros de empregada”, se arma um escândalo. Aqui é normal, ninguém nem liga mais.
Pode ser que fosse mais politizado se a história fosse narrada por elas mesmas, mas eu acho legítimo que as meninas criadas pelas negras também tenham direito à sua visão sobre a história. Me identifiquei com a narradora do filme e creio que muita gente no Brasil sentiu o mesmo. Na casa dos meus pais raramente tivemos empregada. Mas chorei a película inteira ao lembrar de uma empregada da família: Raquel. Raquel trabalhou na casa da minha avó paterna e, quando minha tia caçula casou, foi morar com ela. Viveu a vida inteira lá, nunca teve filhos, marido. Era adorada pelos meus primos, “parte da família”, mas nunca deixou de ser uma empregada doméstica. Um dia, minha tia entrou no quarto e encontrou Raquel morta. Essa foi a sua vida.
Me dói o coração pensar que isso existiu e ainda existe. Celebro a PEC das empregadas domésticas que está prestes a ser aprovada pelo Congresso. Tem que pagar todos os direitos trabalhistas a elas, sim. Tem que estimulá-las a estudar. Tem que fazer o possível para ajudá-las a progredir na vida, como qualquer trabalhador. Perguntam a mim: e se não houver mais empregadas que queiram trabalhar ganhando pouco? Melhor que acabem, é ótimo. Essa situação esdrúxula não existe nos países mais civilizados do mundo. Se você quer empregada, pague bem a sua. Se não puder pagar, faça a limpeza da sua casa você mesmo.
Assistam o filme, vale a pena. Só encontrei dublado, infelizmente.